Conto publicado no livro "Era uma vez..."
Edição Especial 2012 - CBJE - BrLetras
Jorge Braga da Silva
Mulher no outdoor
Finalmente Rian Lublanski chega ao hotel onde ficará hospedado, depois de horas de excruciante viajem de ônibus, desde sua bucólica cidade no interior do Rio Grande do Sul até a colossal metrópole paulistana. Ele veio sonhando abrir um restaurante em São Paulo.
Num bolso secreto, costurado por dentro da jaqueta puída, estão protegidas as economias de anos de duro trabalho na lavoura gaúcha. Numa velha mala, traz seus poucos pertences, entre os quais, um livro de receitas, presente de sua mãe, com a dedicatória: “Ao Rian, meu amado filho, que adora cheiros e sabores da cozinha gaúcha, minha singela contribuição para o sucesso que sonhamos juntos, em cada dia de nossa luta por uma vida melhor. Eu, ele e sua irmã. Beijos. Ada Lublanski”.
O livro é uma simples encadernação de dezenas de folhas amareladas pelo tempo, manuscritas por sua mãe – uma descendente de poloneses –, um tesouro precioso da culinária que Rian sonha oferecer, um dia, aos clientes do seu sonhado restaurante.
O dono do hotel mal termina o registro de Rian quando quatro homens armados, usando toucas que cobriam os rostos, anunciam um assalto. Foi tudo rápido. Dois homens fizeram um arrastão nos quartos enquanto os outros dois ficaram na recepção. Um deles quis a jaqueta de Rian. Ele disse não e um dos bandidos deu-lhe uma coronhada na cabeça. Ele desmaiou.
Ao acordar, Rian vê a polícia, ambulância e a confusão. Percebe que está sem a jaqueta e a mala. Rian declara o que lhe foi roubado: o dinheiro oculto na jaqueta, a mala com o livro de receitas e até cita a dedicatória. Não se esquece de mencionar a tatuagem que viu no braço do agressor: O rosto do Frankenstein de Boris Karloff com os parafusos no pescoço. A polícia registrou os detalhes no boletim de ocorrência.
Este foi seu primeiro dia em São Paulo. Em poucas horas seu sonho foi roubado e, em seu lugar, restou o pesadelo: tornara-se um morador de rua. Certa noite, em sua cama de jornais velhos, descobre, em um deles, uma foto da mãe e da irmã, mortas afogadas, conforme a notícia, nas enchentes no Rio Grande do Sul. Antes de conseguir dormir, chorou amargamente. Mas depois sonhou com a mulher no outdoor. Do outro lado da cidade, ela também dorme e sonha que um homem perdido nas ruas sonha com ela.
Para sobreviver, Rian tornou-se um catador. Empurrando um carrinho de madeira, abarrotado de tranqueiras, ele anda por muitos lugares, mas gosta mesmo é de ir ao outdoor no qual a mulher mais linda que ele já vira anuncia o restaurante “Roma de Amor”. Senta-se por perto e, enquanto come arroz, feijão e uma carne dura, seu olhar é atraído pela mulher no outdoor. Ela tem olhos vivazes, rosto perfeito e lábios de Angelina Jolie. Ele vê fascinado parte de suas pernas elegantes, aparecendo entre a saia e os sapatos pretos delicados.
O vento agita a tenda de plástico sob a qual Rian dorme e sonha que está no outdoor com a linda mulher. Seus sorrisos felizes não condizem com o mundo de Rian, o catador. Lá fora, uma tempestade abala o céu paulistano. No sonho, um raio ilumina silhuetas escuras de edifícios e atinge o outdoor. Na magia do sonho a mulher ganha vida, desce do outdoor, atravessa a fuligem dispersa no ar e, sem mácula, com voz suave sussurra:
– Te espero no outdoor, mas cuidado com Frank.
O sonho é interrompido pelo vento destruindo a tenda. No dia seguinte, ele vai ao outdoor. Funcionários da empresa trabalham no painel atingido por um raio. A mulher desaparecera. Em seu lugar há uma estranha silhueta chamuscada. O resto estava intacto. Então, para sua surpresa, vê a tatuagem Frankenstein no braço de um dos homens colando o novo painel. Era Frank, um dos sujeitos que o havia assaltado no hotel há cinco anos. Pasmos, os circunstantes veem o criminoso, questionado por Rian, atacá-lo e, ao ser derrubado por um soco defensivo, morrer ao bater a cabeça na guia da calçada. Rian é imobilizado e entregue à polícia. Ele fica preso até ser interrogado. À noite, sonha outra vez com a mulher no outdoor. Ela o espera na praça em frente à delegacia. Neste momento, Nair, a mulher no outdoor, também dorme e sonha. Está na praça da delegacia próxima de onde mora. Um homem se aproxima e a beija. Ela grava seu rosto na memória.
As investigações confirmam as declarações de Rian e a polícia encontra, no barraco Frank, o livro de receitas e a velha mala. Rian é posto em liberdade. Automaticamente caminha até a praça. Nas mãos a mala com o livro de receitas. Lá está ela, a mulher do outdoor, linda e sorrindo de verdade para ele. Simplesmente conversam. Já se conheciam de sonhos. Depois, de mãos dadas, vão a uma lanchonete, comem sanduíche de mortadela e bebem tubaína.
– Já observou que Nair é Rian ao contrário?
– Que coincidência!
– Quer mais? Abra o livro de receitas na última página.
– O que tem lá? Nunca cheguei até o fim.
Ele abre o livro e fica atônito ao ver a foto dela no outdoor, recortada de uma antiga revista e colada na última folha. Abaixo está escrito: “Filho, Roma tem amor, assim como teu nome o nome de seu futuro amor, e um os sonhos do outro”. Rian se emociona ao reconhecer a caligrafia da mãe e a premonição revelada naquelas linhas ressurgidas do passado.
– Virando a página há um bilhete da mega-sena premiado – Diz Nair – Era do assaltante.
– Como você sabia?
– Eu sonhei - Diz Nair, e continua - Há seis anos, na publicidade do restaurante “Roma de Amor”, fizeram o outdoor com a foto. Resolveram repeti-lo agora pelo sucesso que foi naquela época.
Com o prêmio da loteria, Rian abriu seu restaurante e comprou uma linda casa nova para uma velhinha, antes abandonada num barraco miserável. Era a mãe de Frank que, mesmo sem querer, acabou indenizando parte do mal que fez.
Hoje, nos restaurantes “Rian de Nair”, as receitas de Ada Lublanski fazem um grande sucesso. Experimente! Quem sabe você descobre o segredo de Ada, do sabor mágico e encantado das receitas dela. Talvez seja o tempero: pitadas de felicidade sobre sonhos, os seus nos de outro alguém. E vice-versa.
